Resposta à afirmação de que basta comer menos

Em meu último post, coloquei uma resposta (em inglês) à afirmação de que a composição da dieta é irrelevante, e de que basta comer menos (escrevi esta resposta como comentário em um outro blog, mas a mesma nunca foi publicada). Abaixo, segue o texto traduzido para o português.

No passado eu já expressei e repeti a mesma opinião, de que somente o que importava era o número de calorias ingeridas e o número de calorias gastas. Mas após uma experiência pessoal com uma dieta restrita em carboidratos (tendo perdido cerca de 15 Kg de gordura em 3 meses sem passar fome e tendo mantido o peso desde então), tenho pensado e estudado muito sobre o assunto.

Em primeiro lugar, ninguém está tentando provar que a primeira lei da termodinâmica (preservação de energia) está errada. Apenas ocorre que que esta lei não contém nenhuma informação que diga respeito a causa e efeito. Se você diminui a sua massa, você necessariamente está consumindo menos calorias do que gasta. Se sua massa aumenta, o oposto é verdadeiro. Mas isso não diz NADA a respeito da CAUSA deste aumento ou diminuição. É uma condição necessária, porém irrelevante enquanto explicação.

Todos concordam que, se você tem algum distúrbio que aumenta a produção de urina, isto também aumentará a sua sede. Da mesma forma, se você tomar muita água (seja lá por qual motivo), você urinará mais. Mas isto não esclarece em NADA a causa deste distúrbio. Se uma pessoa urinar 5 litros por dia, isto pode ser devido a um diabetes mellitus não controlado, ou a um diabetes insipidus (uma causa hormonal completamente diferente), ou mesmo à ingestão intencional (seja lá por que motivo) de 5 litros de água. Tudo depende de quanta água se bebe e quanto se elimina, certo? Se você não se importa com a causa, o que lhe impediria de tratar o diabetes restringindo a ingesta de água? Afinal, isto diminuiria a produção de urina, e nos dedicaríamos então a debater o manejo do problema da sede excessiva… A melhor analogia que conheço é o da criança em crescimento (poderia ser qualquer coisa em crescimento). Para uma criança crescer, ela PRECISA comer mais calorias do que gasta. Isto é uma obviedade. Contudo, ninguém argumentaria que a criança cresce pois come demais. Ela come demais porque está crescendo! A primeira lei da termodinâmica é tão válida aqui como em qualquer outra situação. Novamente, contudo, ela não diz nada sobre a CAUSA. A criança cresce pois ela produz uma quantidade grande de hormônio do crescimento (GH), que faz com que seu organismo cresça. E, a fim de manter a conservação de energia (e de massa), ela NECESSITA comer mais para compensar. Por que o tecido adiposo humano seria o único tecido dentre todos os mamíferos que não é controlado por hormônios, e que atua como um depósito passivo de calorias em excesso? Aliás, de que forma o tecido adiposo poderá “tomar conhecimento” de que há um excesso de calorias, se não por intermédio de hormônios?

Não se pode tratar os alimentos e calorias como se as pessoas fossem simples calorímetros que incineram a comida para gerar calor. Diferentes alimentos têm diferentes ações endócrinas, e isto é crucial. Vamos a um exemplo: diabetes tipo I. Nesta doença, o paciente não fabrica nenhuma insulina. Isto, é claro, significa uma incapacidade de metabolizar açúcares. Mas esta doença sublinha outra função importantíssima da insulina: o armazenamento de gordura. Antes da descoberta e do uso clínico da insulina, pacientes portadores de diabetes tipo I tornavam-se raquíticos devido ao consumo super-acelerado de seus próprios depósitos de gordura. O acúmulo e estocagem de gordura requer a presença de insulina, e a falta da mesma leva à liberação dos ácidos graxos pelos adipócitos. Os médicos sabem que, muitas vezes, o que leva o paciente ao óbito não é o excesso de açúcar no sangue, mas a acidose metabólica consequente à liberação excessiva de ácidos graxos (um verdadeiro “derretimento” dos depósitos de gordura) na corrente sanguínea devido à completa ausência de insulina.

Então, todas as calorias são iguais? Se for em um calorímetro, sim. No corpo humano, bem, 4 Kcal são 4 Kcal não importa se advindas de gordura, proteína ou açúcar, mas elas tem consequências endocrinológicas diferentes e, portanto, o particionamento da energia será muito diferente.Os carboidratos elevam a insulina e, como qualquer aluno de bioquímica sabe, isto particiona as calorias no sentido do armazenamento(a insulina é o clássico hormônio de armazenamento). Em contraste, ao evitar os carboidratos e, portanto, manter os níveis de insulina baixos, você acaba produzindo menos armazenamento e mais lipólise. Agora, a sua fome diminui, pois você está queimando sua própria gordura como fonte de energia. O resultado final é que você come menos. Mas você come menos porque está emagrecendo, e não está emagrecendo porque come menos. Não se trata de um truque de linguagem. É uma grande diferença. É a diferença entre passar fome deliberadamente, ou emagrecer fisiologicamente, sem fome. Em ambos casos você come menos, ou seja, não se violam as leis da termodinâmica, mas fica claro que tais leis (embora válidas) não explicam em nada o fenômeno biológico (não físico) do emagrecimento.

Entendidos estes fatos, bem e quanto à literatura médica? A literatura médica também dá suporte à esta interpretação. Todos os estudos prospectivos randomizados de dietas low carb mostram, sistematicamente, perdas de peso maiores e melhora nos parâmetros de risco cardiovascular quando comparadas às dietas de restrição de gorduras. E aqueles de nós que tem experiência clínica (tenho aplicado isto a pacientes há cerca de 1 ano) constatam a diferença imensa que há em termos de ausência de fome e capacidade de mater a dieta no longo prazo.

Há muitos outros aspectos sobre os quais eu poderia ter escrito (saciedade das proteínas e gorduras, resistência à insulina, leptina, etc.) nos quais diferentes taxas de macronutrientes terão implicações completamente diferentes a despeito de apresentarem o mesmo número de calorias. Mas eu espero ter conseguido deixar bem claro que chamar de um “modismo” uma estratégia de dieta que já existe desde o século 19 não é a melhor abordagem, em um mundo no qual a abordagem tradicional (restrição de calorias e gorduras) mostrou-se um tremendo fiasco. Nada em biologia faz sentido fora do contexto evolutivo. E nós temos boas razões evolutivas para supor que a maior parte dos seres humanos não está geneticamente equipada para lidar com níveis constantemente elevados de insulina e glicose devido ao consumo de alimentos que nunca existiram durante a nossa evolução.

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