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Cada vez que abro uma caixinha de perguntas no Instagram a pergunta surge: o que você acha de creatina? A resposta curta é que trata-se de um suplemento seguro e útil para quem faz treino de força. Mas vamos entender como e porquê?
A creatina é um composto formado a partir de 3 aminoácidos: arginina, glicina e metionina. Cerca de metade da creatina no nosso corpo é sintetizada pelo próprio organismo. O restante, vem da dieta, e as fontes são carne vermelha e peixe – mais um bom motivo para consumir estes alimentos.
95% da creatina está localizada nos músculos, o restante no cérebro. Por que nestes lugares? Porque, como veremos, a creatina é muito importante como reserva emergencial de fosfatos para reconstituir o ATP em tecidos que possuem muita demanda energética. O que a creatina não faz é promover ganho muscular automaticamente – ela é útil, mas não é mágica.
Nossos músculos precisam de energia para contrair, e essa energia é fornecida pelo ATP, que significa adenosina trifosfato porque ela tem, é claro, 3 fosfatos. Este último fosfato precisa de muita energia para ser colocado ali, e é essa energia química potencial que permite ao ATP fornecer energia para coisas tais como a contração muscular.
Quando o ATP é usado, geramos ADP (adenosina difosfato) e um fosfato livre, quer precisarão ser unidos novamente, ou nas mitocôndrias (que são MUITO mais eficientes, porém um pouco mais lentas) ou pela glicólise anaeróbia, que é muito mais rápida, mas muito menos eficiente e, ainda por cima, gera ácido lático no músculo como consequência – responsável pela “queimação” no músculo que vocês conhecem bem. A verdade é que seria ótimo se houvesse uma forma de armazenar temporariamente uns fosfatos de alta energia, para regenerar o ATP em alta velocidade, na hora da necessidade, enquanto a respiração celular corre atrás do prejuízo. Pois bem, é para isso que a creatina serve. Para vocês da área da engenharia, a creatina é o capacitor da célula. E para quem não entendeu nada, o resumo é que a creatina ajuda a restaurar os níveis de ATP da célula.
Quando se fala em ganho de massa muscular, a creatina é o único suplemento que não é ilegal nem perigoso mas que comprovadamente funciona. Se parece bom demais para ser verdade, é porque é: a FORMA através da qual a creatina permite maiores ganhos de força e hipertrofia não é passiva, assistindo TV. A creatina permite fazer mais força – treinar mais pesado – e é esse esforço maior que gera os resultados.
Imagine a seguinte situação. Você consegue fazer 10 repetições de um exercício com um peso de 10 quilos, com bastante esforço, de modo que modo que uma 11a repetição seja impossível – está próximo da “falha”. Dentro do músculo, os ATP’s foram sendo usados mais rapidamente do que estavam sendo regenerados e, sem ATP suficiente, não é possível continuar, Mas, como vimos, a creatina muscular pode regenerar rapidamente ATP’s, dando cobertura enquanto a respiração celular e a glicólise correm atrás. Assim, você pode conseguir fazer uma 11a repetição, ou aumentar o peso desse exercício. O que causa a hipertrofia não é a creatina, é você ter condições físicas de aumentar (em 10%, neste caso) o seu esforço máximo.
Uma analogia é a seguinte: imagine que você quer melhorar sua performance em corrida. Uma solução seria colocar, nos treinos, um predador correndo atrás de você. O bicho não está atuando diretamente sobre o seu condicionamento físico, ele apenas permite (no caso, obriga) que você se esforce mais. Mas é o esforçar-se mais que gera os resultados – o bicho sozinho não faz nada.
O que esperar da suplementação
Um excelente artigo de revisão ajuda a quantificar o que esperar da suplementação com creatina:
A suplementação com creatina produz um aumento de 20% da força. É bastante! Até que você descobre que o PLACEBO produz um aumento de 12% da força. E é por isso que muitos de vocês têm a impressão de melhora da performance com diversos suplementos inúteis – o efeito placebo não é pequeno na atividade física. Assim, o efeito da creatina em si sobre a força é de 8%. Não é irrelevante, mas não tanto quanto alguns imaginam. A melhora da performance no levantamento de pesos foi da ordem de 14%.
Mas e a hipertrofia? A creatina pode ajudar na hipertrofia (afinal, permite fazer mais força) – como mostra esse ensaio clínico randomizado feito na Universidade Estadual de Londrina:
O gráfico abaixo mostra o efeito da creatina e do placebo sobre a hipertrofia (avaliada por DEXA) em homens já treinados fazendo musculação 4 vezes por semana por 8 semanas:
A vantagem da creatina está marcada por mim em vermelho no gráfico. O protocolo de exercício era puxado e supervisionado, buscando a falha, e sempre que alguém conseguia finalmente fazer todas as repetições de um determinado exercício, o peso era aumentado. Há sem dúvida uma maior hipertrofia no grupo da creatina, sobretudo nos membros superiores. No grupo do placebo houve um aumento de 1,6% na massa magra dos membros superiores (não significativo), enquanto no grupo da creatina houve um aumento de 7,1%. Assim, a creatina, em um programa puxado de treino de força por 2 meses em gente já treinada, produziu um aumento de 5,5% a mais da massa magra dos membros superiores quando comparada ao placebo. Mais uma vez, não é irrelevante, mas não espere da creatina que gere os resultados dos esteroides anabolizantes.
A mensagem principal a ser reforçada aqui é que a creatina provavelmente não irá agregar ganho de massa magra em treinos de baixo esforço – não é isso que ela faz. Mas ela pode, sim, aumentar o esforço máximo que você consegue fazer.
Mas será que há outros benefícios potenciais do uso da creatina, para além do músculo esquelético? E quais os riscos? E como se usa esse suplemento? Tratamos disso na segunda parte dessa postagem, disponível para assinantes da área de membros do blog.