Cada tribo tem sua cultura particular – um conjunto de crenças que, além de definir o caráter daquele grupo, ajuda a lhe dar identidade. Não estou aqui falando de tribos de caçadores coletores; estou falando de você e eu. Cada um de nós pertence a diversas “tribos” – um time de futebol, um partido político, o fã-clube de um artista, etc., cada qual com sua cultura particular envolvendo uma linguagem própria, piadas internas, e também crenças. Isso inclui a NOSSA tribo: a tribo low-carb.
Um problema comum a todas as subculturas de todas as tribos é a tendência à uniformização do pensamento e à formação do que eu chamo de “combos”. Assim como, em certa cadeia de fast-food, ao pedir um hambúrguer você sempre recebe o refrigerante e a batata frita junto, não é raro que o pertencimento a uma tribo signifique adesão quase automática a um conjunto de crenças – um verdadeiro combo cultural.
Na nossa tribo low-carb, esse combo inclui, obviamente, evitar o consumo de carboidratos, mas também inclui: não consumir alimentos ultraprocessados, evitar o glúten, evitar adoçantes artificiais, evitar transgênicos, evitar soja, reverenciar o bacon, a banha e o óleo de coco, mas nunca consumir óleos oriundos de sementes (“seed oils” em inglês).
Sou contra combos. Quem me acompanha há tempo sabe que eu prefiro tratar essas coisas como um buffet, no qual eu escolho o que mais convém (o que, neste caso, implica escolher o que tem mais evidência científica, evitando dificultar desnecessariamente a mudança de estilo de vida por componentes do combo que, bem, apenas vieram junto sem que ninguém pedisse). Particularmente, não acho que adoçantes artificiais sejam um problema, não vejo evidências para temer os transgênicos, não percebo a soja como um alimento essencialmente ruim e, assunto de hoje, não estou convencido de que os óleos de sementes (milho, girassol, arroz, soja) sejam um “veneno” (muito embora em prefira outras gorduras culinárias, como veremos). Mas eu já comprei essa ideia no passado, e hoje creio que estava errado. O motivo principal de eu ter demonizado os óleos vegetais tinha mais a ver com o combo: os autores que eu lia e admirava pensavam assim – fazia parte da cultura da tribo low-carb. As justificativas sempre giravam em torno de mecanismos (que, como vocês devem saber, pavimentam o caminho para o inferno). Para justificar essa crença, fiz uma postagem em 2015 com a tradução de um artigo de opinião que, mais uma vez, baseava-se em mecanismos e suposições extrapolados de estudos em modelos animais.
Aqui eu preciso deixar claro que eu ainda evito esses óleos. Tenho usado azeite de oliva para cozinhar, e não tenho intenção de usar óleo de soja ou de canola como ingrediente culinário em casa. Mas a paranoia gerada nas pessoas inseridas na cultura da tribo low-carb é tamanha que muitas vezes as impede de comer fora. “Não vou comer esse bife/peixe pois devem ter colocado óleo de soja na chapa”, esse tipo de coisa.
Quais são afinal as alegações sobre os óleos vegetais?
Há basicamente duas linhas de argumentação: 1) são tipos de gordura que, nestas quantidades, não faziam parte da alimentação humana durante a evolução da espécie; e 2) têm alta concentração de ômega-6 (que seria pró-inflamatório) o que desequilibraria a relação ômega-6/ômega-3 no corpo, favorecendo inflamação e tudo de ruim que isso representa. Perceba, leitor, que não são ideias absurdas – longe disso. Mas perceba também que são totalmente baseadas em mecanismos. Mas é sempre necessário checar se aquilo que ACHAMOS que deveria acontecer está de fato acontecendo.
A questão evolutiva faz sentido, na minha cabeça – ao menos como ponto de partida. Mas nunca deveria ser elevada à condição de dogma. Se for postulada assim: “tudo o que não estava presente durante a evolução é ruim”, o nome passa a ser outro: falácia naturalista. Se é natural, é bom. Se não é natural, é ruim. Por esse critério, veneno de cobra (natural) deveria sem mais saudável do que whey protein. Não obstante, eu acho razoável partir da ideia de que a introdução em larga escala de um tipo de gordura que até o século 20 era consumida em pequena quantidade possa ter efeitos adversos. Mas isso é uma HIPÓTESE. E, em sendo verdadeira, deveria ser possível detectar seus efeitos deletérios nos estudos populacionais.
A questão da proporção entre ômega-6 e ômega-3 no organismos é mais frágil enquanto hipótese. É um mecanismo puramente especulativo e que se baseia numa postulação improvável de que o que vai determinar se os mediadores químicos a serem produzidos pelo corpo serão inflamatórios ou anti-inflamatórios é a proporção destes ácidos graxos. É improvável porque não é assim que as coisas costumam funcionar em nosso organismo. Processos altamente regulados (como a inflamação) não costumam ser determinados pela disponibilidade de substratos (ômega-6 ou 3, no caso), mas pela necessidade do corpo (aumentar ou reduzir a inflamação em determinado momento). Desde que haja substrato suficiente (o que, no caso, é quase sempre), os processos ocorrerão . Assim, para aceitar uma hipótese dessas como verdadeira, seria necessária a sua demonstração experimental em humanos, mas os estudos não apontam necessariamente nesse sentido. Inclusive, há uma metanálise de ensaios clínicos randomizados que testaram diretamente essa hipótese (de que o aumento do consumo de ômega-6 aumentaria marcadores inflamatórios e reduziria os mediadores anti-inflamatórios produzidos a partir do ômega‐3) – e os resultados efetivamente refutaram essa hipótese.
Nas seções que se seguem, será importante ter em mente que os óleos vegetais oriundos de sementes são ricos em gorduras poli-insaturadas (ou PUFAs em inglês), sobretudo em gorduras do tipo ômega-6; peixes e frutos do mar são ricos em ômega-3.
O que as evidências realmente mostram?
2014 foi uma espécie de ano da virada no que tange à ideia de que todas as gorduras são ruins e de que as gorduras saturadas são especialmente mortais. Em 2010, uma metanálise de estudos observacionais prospectivos já havia feito barulho ao mostrar que não havia nenhuma associação entre gordura saturada e doença coronariana, derrames ou doença cardiovascular em geral. Mas foi um estudo publicado no Annals of Internal Medicine em 2014 que gerou capas de revistas no mundo todo:
Tratava-se de um estudo realmente monumental, que reuniu informações de 32 coortes prospectivas com 530 mil pacientes, 17 coortes observacionais com biomarcadores totalizando mais de 25 mil pessoas (ou seja, utilizando exames que permitiam saber o que as pessoas estavam comendo – mais confiáveis do que usar questionários) e 27 ensaios clínicos randomizados com 103 mil participantes:
As conclusões do estudo são bem claras: “As evidências atuais não apóiam claramente as diretrizes cardiovasculares que incentivam o alto consumo de ácidos graxos poli-insaturados e o baixo consumo de gorduras saturadas totais.” Este estudo foi a AMPLAMENTE utilizado pela blogosfera low-carb (incluindo este que vos escreve) para exonerar o consumo de gordura saturada, que naturalmente tende a aumentar na dieta quando se troca pão por omelete e macarrão foi filé, por exemplo. Acontece que, se quisermos ser intelectualmente honestos, temos que aceitar as demais conclusões do estudo, não é mesmo?
E sabe o que NÃO está escrito na conclusão do estudo? Que os óleos poli-isaturados (PUFAs na sigla em inglês) aumentam o risco de qualquer coisa. Observe o seguinte gráfico obtido a partir desse estudo:
No gráfico acima (e nos demais que mostrarei a seguir), o que está à esquerda da linha vertical indica redução de risco, o que está à direita indica aumento de risco, e o que cruza a linha indica que não houve diferença estatisticamente significativa (as linhas horizontais indicam as margens de erro, por assim dizer). O que podemos dizer é que, em estudos observacionais, gorduras trans parecem ser realmente prejudiciais. As gorduras saturadas são neutras, ômega-3 de peixes e frutos do mar por muito pouco não atinge significância estatística para efeito benéfico (há uma clara tendência), mas veja o ômega-6 (ω-6) no gráfico: é neutro também. Assim, o correto, segundo essa metanálise que todos no mundo low-carb conhecem e citam, seria dizer que, com exceção das gorduras trans, não faz muita diferença a gordura que você consome
Agora, vejamos o gráfico dos estudos que empregaram biomarcadores, ou seja, não dependem da sinceridade ou da memória das pessoas (o símbolo da letra ômega minúscula é ω, de modo que ω-6 polyunsaturated fatty acids significa ômega-6):
Fica bem claro, no gráfico, que o consumo de gorduras saturadas tem efeito neutro. Mas fica igualmente claro que o mesmo ocorre com ômega-6 (ou seja, marcadores de consumo aumentado de óleos vegetais), não é mesmo?
A parte mais espantosa dessa metanálise, ao menos no que se refere ao assunto específico desta postagem, é o gráfico acima que sumariza o que aconteceu com os pacientes que foram submetidos a EXPERIMENTOS, ou seja, ensaios clínicos randomizados nos quais foram sorteados para receber determinadas gorduras como suplemento (mais de 103 mil pacientes ao todo). Vamos lembrar que este tipo de estudo pode estabelecer causa e efeito, diferentemente dos estudos observacionais. A gordura saturada não foi testada pois, segundo a ortodoxia nutricional, isso não seria nem sequer ético. Mas foram testados ácido alfa-linolênico (ALA, uma gordura ω-3 de cadeia curta encontrada em plantas como linhaça ou óleo de Canola – primeira linha do gráfico), ω-3 de cadeia longa (DHA, EPA, encontrados em peixes e frutos do mar, segunda linha), e ω-6, nos quais a intervenção foi suplementar misturas de PUFAs oriundos de óleos vegetais (terceira linha do gráfico). A rigor, o que se pode dizer é que não fez diferença – afinal, todos cruzam a linha vertical. Mas é impossível não notar que parece haver uma tendência de benefício com o uso dos óleos vegetais ricos em ω-6 como suplementos. Reitero que, cientificamente falando, o correto é dizer que não há efeito, nem positivo, nem negativo, mas me parece evidente que, se estes óleos fossem realmente um veneno, aquele quadradinho da terceira linha deveria estar à direita da linha vertical, e não à esquerda.
Não bastasse isso, há outras metanálises que mostram resultados diferentes. Em um estudo de 2009 no qual foram avaliados estudos observacionais em que se analisou o efeito de trocar gorduras saturadas por gorduras poli-insaturadas predominantemente ômega-6, houve redução do risco cardio vascular. Veja por exemplo o gráfico que resume os desfechos de mortes por doença coronariana:
O pequeno losango lá embaixo indica um efeito protetor dos óleos vegetais quando eles substituem as gorduras saturadas estariam associadas à menor mortalidade. O detalhe é que ninguém substitui nada aqui, e isso é apenas uma manipulação matemática: modelos do que aconteceria se a substituição fosse feita. E as barras de erro são gigantescas, de modo que eu realmente não confio neste resultado. Mas temos que admitir que não há evidência para a hipótese “óleos vegetais extraídos de sementes são pior do que açúcar”. Não são. Aliás, o mesmo estudo sugere que se as gorduras saturadas fossem substituídas por carboidratos, a mortalidade seria MAIOR. Assim, nem mesmo esse povo da epidemiologia nutricional, com todos os seus vieses e problemas está sugerindo que você deveria trocar a carne gorda por churros. Mas eles sugerem que óleos vegetais são melhores pra você do que banha. Se são, eu não sei, mas a evidência para dizer que são venenosos, perigosos, e devem ser evitados a qualquer custo simplesmente não aparece nas metanálises.
Dando continuidade à revisão da literatura sobre este tema, qual a maior referência quando o assunto é revisões sistemáticas e metanálises? É a fundação Cochrane. Sim, eu sei que não é perfeita – nada é – mas vamos ver o que eles têm a dizer sobre o assunto? Porque resulta que eles têm uma metanálise especificamente sobre o efeito de ômega-6 sobre doença cardiovascular:
A tradução da conclusão é a seguinte: “(…) Não encontramos evidências de que o aumento de gorduras ômega-6 reduza os eventos cardiovasculares além do infarto do miocárdio, em que 53 pessoas podem precisar aumentar a ingestão de gordura ômega-6 para evitar que uma pessoa sofra infarto do miocárdio. Embora os benefícios das gorduras ômega-6 ainda precisem ser comprovados, aumentar as gorduras ômega-6 pode ser benéfico em pessoas com alto risco de infarto do miocárdio. (…)”.
Eu não estou particularmente convencido de que óleo de soja previna infartos, pois olhem o gráfico:
Quase todos os estudos têm margens de erro gigantes e N pequeno (poucos participantes), com linhas que vão desde o “ajudam muito” até o “prejudicam pra caramba”, com o losango (resultado agregado) tocando a linha vertical, ou seja, “parece diminuir o risco de infarto, mas não temos certeza”. Mas meu objetivo aqui não é convencer você de que óleo de milho faz bem. A questão é mostrar que não há evidência de que seja um veneno, MUITO diferente do que se diz na blogosfera low-carb. O que o artigo discute – assim como todos os outros – é a magnitude de um eventual benefício, e não um terrível malefício.
Em uma postagem bastante recente aqui da Área de Membros do Blog, escrevi o seguinte:
Estudos observacionais não estabelecem causa e efeito, e isto segue valendo mesmo quando os estudos são favoráveis às nossas teses. Isso está amplamente explicado em uma postagem antiga, cuja leitura recomendo. Mas aquela postagem é seguida de outra, que explica uma situação em que este tipo de estudo pode ser útil. Embora o ideal seja ler a íntegra daquela postagem, vou fazer um brevíssimo resumo aqui: se um estudo observacional sugere, por exemplo, que low-carb aumenta a mortalidade, você não pode afirmar que low-carb é a causa dessa mortalidade maior (leia as duas postagens acima para entender o porquê). AGORA, se as pessoas afirmam que low-carb é perigoso, PRESSUPONDO que quem adota este estilo de vida tem um risco maior de morrer, e um grande estudo observacional prospectivo mostra o CONTRÁRIO, isto é, que adotar um estilo de vida low-carb está ASSOCIADO com menor mortalidade, isso não prova que low-carb reduz a mortalidade, mas é incompatível com a ideia de que low-carb possa ser CAUSA de aumento de mortalidade. Ok?
Então, vamos fazer o seguinte raciocínio: se um estudo observacional/epidemiológico sugere que óleos vegetais são benéficos para a saúde, isso não prova que eles sejam. Mas se eles fossem de fato muito ruins para a saúde, não faria sentido que estivessem associado a BONS desfechos nos estudos observacionais/epidemiológicos, correto? Em outras palavras, algo não pode ser péssimo e ao mesmo tempo não estar associado com desfechos ruins – e muito menos com desfechos bons, como parece ser o caso, dependendo da metanálise que vê. O que nos trás à mais recente metanálise sobre o assunto, publicada em 2020:
Esta metanálise avaliou diretamente o assunto contencioso: o efeito do ácido linoleico, que é ácido graxo ω-6 que compõe a maior parte dos óleos vegetais. Corresponde a cerca de 90% de todo o ômega-6 consumido nas dietas ocidentais. A metanálise incluiu coortes prospectivas e estudos de biomarcadores. Quando dependemos de questionários, enfrentamos o problema da imprecisão das repostas e da memória das pessoas – o que os torna pouco confiáveis – é o chamado viés de aferição. Os estudos com biomarcadores são menos sujeitos ao viés de aferição, visto que não dependem da capacidade das pessoas de lembrar o que comeram nos últimos meses. Como o ácido linoleico não é produzido pelo corpo humano, a sua quantidade presente nos tecidos e nas membranas das células sanguíneas é um marcador de seu consumo na dieta humana. O gráfico abaixo resume os achados de 22 coortes prospectivas nas quais a concentração do ômega-6 ácido linoleico foi medido de todas as formas imagináveis:
O que vemos acima são resultados que mostram uma clara ASSOCIAÇÃO entre o consumo de ácido linoleico (ômega-6) com menor mortalidade cardiovascular, menor mortalidade por câncer e, inclusive, menor mortalidade geral (por todas as causas). Isso, como já deve ter fica claro, não significa a que aumentar seu consumo de óleo de milho, soja ou Canola irá fazer você viver mais – afinal, estudos observacionais não estabelecem causa e efeito, e é totalmente possível que as pessoas que consomem mais óleos vegetais tenham outros hábitos que são os verdadeiros responsáveis pelas diferenças observadas. Mas se tais óleos fossem, de fato, CAUSA de doenças – se fossem tão perigosos que devessem ser evitados a todo custo – não faria sentido que seu consumo (aferido seja por questionários, seja por biomarcadores) estivesse associado com bons desfechos. Algo não pode ser a causa de tudo que é ruim e, ao mesmo tempo, estar associado com coisas boas – é uma questão de lógica elementar. Na interpretação mais caridosa possível daquilo que tem sido afirmado por anos no mundo low-carb (e eu já acreditei nisso também), os PUFA’s presentes nos óleos vegetais extraídos de sementes poderiam, quem sabe, ser levemente prejudiciais, mas tais prejuízos seriam de tão pequena ordem que seriam invisíveis e compensados por outros hábitos a ponto de, nas metanálises, os resultados parecerem favoráveis. E aí vem a pergunta que não quer calar: se um eventual prejuízo é tão pequeno que não pode sequer ser detectado e se dilui em meio a outras coisas que geram benefício, deveríamos estar nos preocupando tremendamente com ele?
O objetivo desta postagem não é convencê-lo a trocar todas as suas gorduras culinárias por óleo de milho, Canola ou girassol. Tenho dois objetivos aqui: o primeiro, mais específico, é o de acabar com medos irracionais que resultam em comportamentos que acabam dificultando a adesão a um estilo de vida low-carb; o segundo, mais amplo, é combater o dogmatismo gerado pela câmara de eco da nossa pequena bolha.
Vejo muita gente que tem medo de comer carne de porco, pois a ração destes animais é feita com grãos e, portanto, sua gordura tem muito omega-6. Há montes de pessoas que acreditam que não podem comer frango que não seja criado solto pelo mesmo motivo. E quem de vocês já não ouviu a história de que peixes criados em piscicultura não deveriam ser consumidos porque têm menos ômega-3 e mais ômega-6? O exemplo mais delirante e paroxístico dessas crenças foi a declaração, por parte de um professor muito respeitado, de que o salmão de criação seria tão ruim quanto um biscoito recheado – isso é claramente loucura.
Na mesma toada, vejo pessoas deixando de comer fora pois os alimentos não foram preparados apenas com manteiga, óleo de coco, azeite de oliva ou banha (os mais radicais não aceitam a banha a não ser que sejam de um porco que elas saibam que foi criado solto). E, de fato, é quase certo que o seu filé terá sido feito na chapa com óleo de milho ou de soja.
O resultado de tudo isso não é uma leva de pessoas extremamente saudáveis vivendo à base de manteiga ghee e óleo de coco extra-virgem. O resultado são pessoas comendo biscoito recheado, já que não têm condições de consumir salmão selvagem do Alasca; pessoas que dizem que essa dieta não é para elas, pois no restaurante a quilo se usa óleo de canola e portanto não há como fazer low-carb (e voltam a comer macarrão e pavê); e pessoas que têm medo de comer a carne de um gado que foi criado a pasto por 2 anos mas que foi finalizada com grãos não últimos 3 meses – pois tais grãos, devido ao seu conteúdo de ômega-6, deixariam seu resíduos letais na sua picanha.
E há a questão mais ampla do dogma. Veja, low-carb é um nicho pequeno. Poucas pessoas seguem e adotam. Isso naturalmente faz com que se forme certa homogeneização do pensamento – que chamamos de bolha ou câmara de eco. As redes sociais amplificam tremendamente esse fenômeno. E, quando você vê, suas crenças se tornam arraigadas sem que você jamais tenha verificado se elas realmente são alicerçadas em coisas reais. Quando você decide não se servir de um delicioso salpicão no buffet pois a maionese utilizada não foi à base de azeite de oliva extra-virgem, isso não foi baseado em evidências, isso é a reprodução impensada do dogma que tem sido amplificado há muitos anos pela câmara de eco da comunidade low-carb. E eu, pelo menos, não combati por anos diversos dogmas da nutrição apenas para ficar aprisionado em outros.
Mas, afinal, qual gordura devemos usar? Primeiramente, como já explicado em uma postagem recente, não deveríamos estar usando grande quantidade de gordura adicionada pra começo de conversa (leia aqui). Afora a gordura natural dos alimentos, as gorduras culinárias deveriam ser usadas com parcimônia. Fritura por imersão não é uma boa ideia, seja com óleo de soja, seja com banha de porco.
Os PUFAs (sejam eles ômega‐3 ou ômega‐6) são gorduras frágeis e tendem a formar compostos potencialmente tóxicos quando aquecidas em altas temperaturas. As gorduras saturadas e monoinsaturadas são muito mais estáveis temperaturas elevadas. Nesse sentido, o azeite de oliva parece ser uma ótima alternativa, devido ao fato de ser composto predominantemente pelo ácido oleico (uma gordura monoinsaturada). Alguém poderia alegar que é muito caro. Mas, se você estiver de fato usando com parcimônia (por exemplo, um fio de azeite para fazer um filé de peixe), o custo fica bem aceitável (sem falar que, se for para cozinhar, não precisa ser o azeite especial super-aromático que você comprou pra colocar na salada). É claro que podemos usar banha, manteiga ou óleo de coco. Acontece que algumas pessoas – sobretudo as que seguem uma dieta cetogênica – podem apresentar uma hiper-respostas de colesterol com valores acima de 300 ou 400 – não é a maioria, mas o fato é que acontece. Muitas vezes, migrar do uso excessivo de banha, manteiga e carne gorda para azeite de oliva, peixe, frango, frutos do mar, oleaginosas e abacate como suas principais fontes de gorduras pode amenizar o problema.
Eu certamente não pretendo comprar óleos vegetais para usar em casa. Talvez eu leve esse preconceito – mesmo que meio irracional – pela vida afora. E, ao não consumir montes de alimentos ultraprocessados, também estou evitando o consumo de grande quantidade destes óleos (veja os rótulos de ultraprocessados no supermercado, e você verá “óleo vegetal” em muita coisa). Mas eu não tenho nenhuma preocupação em comer fora por causa disso, ou em usar um pouco de maionese comercial de vez em quando, por exemplo. Muito menos me passa pela cabeça me preocupar com a proporção omega-6/3 no frango ou no salmão. Devemos devotar nossas energias para nos preocuparmos com coisas que, baseadas em evidências, nos tragam benefícios efetivos – e não com as crenças das nossas câmaras de eco.