Quando se fala em leite, uma coisa é certa: este alimento não pertence nem à dieta paleolítica, nem a dietas Low Carb.
Não pertence à dieta páleo por motivos óbvios: nenhum animal bebe o leite de outras espécies, e até o final do paleolítico o leite era consumido apenas por bebês – não evoluímos bebendo leite como adultos.
Não pertence às dietas low carb pois contém açúcar, na forma de lactose. Cada 100 ml de leite contém cerca de 5g de açúcar, de modo que um copo de 300 ml conterá 15g, ou uma colher das de sopa cheias.
Ok, mas e os laticínios fermentados? Na fermentação, que ocorre naturalmente por ação dos lactobacilos, a lactose é convertida, em sua maioria, em ácido lático. Estamos falando de queijo, iogurte, coalhada, kefir, etc. Tais alimentos são low carb, mas não eram consumidos por nossos ancestrais. E então, comer ou não comer?
A reposta de autores low carb como Michael Eades, Robert Atkins, Jonathan Bailor é um inequívoco SIM: queijo, cream cheese, manteiga e nata tornam uma dieta low carb bem mais fácil e gostosa. A reposta de autores páleo, notadamente de Loren Cordain e Staffan Lindeberg é um inequívoco NÃO, afinal nossos antepassados não consumiam, portanto não devemos consumir. E então, que fazer?
Comecemos relembrando o que escrevi recentemente:
“O postulado evolutivo, por exemplo, parte do princípio de que a carne de uma ovelha, embora domesticada e inexistente há 15 mil anos, seja mais parecida com a dieta com a qual evoluímos, do que Sucrilhos – não obstante este último não conter colesterol e ser enriquecido com vitaminas e minerais (e ser uma bomba de açúcar e amido). Um é comida de verdade, o outro é uma ração industrial que empobrece dietas e enriquece bolsos corporativos.
O termo “The Paleo Diet” foi patenteado pelo Dr. Loren Cordain, que foi introduzido ao tema pela leitura do artigo de Boyd Eaton, referido acima. Cordain ateve-se aos conceitos originais: se emularmos a dieta de nossos ancestrais com alimentos modernos, lidaremos melhor com as doenças da civilização.
Quem acompanha esse blog há mais tempo já sabe que sigo muito mais a abordagem de Mark Sisson, baseada em partes iguais de emprego uma matriz evolutiva para pensar sobre assuntos nutricionais, ciência e bom senso. O termo empregado por Sisson é “Primal” ao invés de “Paleo”, justamente para se diferenciar da abordagem Paleo que, como já disse, é marca registrada de Loren Cordain. Sisson libera o uso de laticínios fermentados full-fat, por exemplo, embora os mesmos não estivessem presentes no paleolítico. Libera-os pois são low carb, são gostosos, são saciantes, e a preponderância da ciência mostra que são benéficos (para quem os tolera).”
Então, se pode comer queijo, algo com o qual não evoluímos, por que não grãos? E, se é assim, por que não Pizza Hut??
Vamos devagar! O que realmente tem ciência SÓLIDA por trás é o fato de que a restrição de carboidratos é eficaz no manejo de síndrome metabólica, diabetes, e excesso de peso, sobretudo em pessoas portadoras de resistência à insulina. Assim, mesmo que grãos cereais não fossem inflamatórios, ainda seriam cheios de amido de rápida absorção – o oposto de low carb. Sob pena de ser repetitivo, cito novamente o que escrevi dias atrás:
“(…)ninguém disse, em nenhum momento, que queremos uma dieta IGUAL à dos ancestrais. (…) Na realidade, trata-se de partir de uma matriz baseada em critérios evolutivos, para tentar reconstruir com alimentos modernos algo que não esteja TÃO distante daquilo com o que evoluímos (como é o caso da dieta ocidental padrão).”
Assim, o paradigma evolutivo (um termo que seria muito mais apropriado do que “dieta paleolítica”) serve apenas para formular e informar hipóteses, e não pode ser um fim em si mesmo, sob pena de tornar-se um DOGMA. Já escrevi mais de 300 postagens desconstruindo o dogma nutricional vigente, e obviamente não o fiz para substituir por outro postulado igualmente dogmático!
O próprio Cordain e seus seguidores concordam que vinho tinto e chocolate amargo são saudáveis, e sabemos que tais alimentos não são nem um pouco paleolíticos.
Quero dizer com isso que, diferentemente do que ocorre com tabus alimentares religiosos (imutáveis), o fato de um alimento estar ausente durante nossa evolução não o proscreve completamente do que considero saudável, da mesma forma que o fato de algo estar presente durante nossa evolução (pense em mandioca) não o torna adequado para o manejo de diabetes e obesidade. O fato de um alimento não ter feito parte da dieta humana por 99,5% de nossa evolução não o torna automaticamente ruim, mas nos autoriza a olhar para tal alimento com desconfiança. No linguajar científico, a hipótese nula, aquela da qual partimos, deve ser a de que este alimento novo seja nocivo; e cabe a ciência tentar refutar essa hipótese – mostrar que ele NÃO é. Mas, como corolário, se a ciência mostra que determinado alimento novo não é nocivo, o fato de ele não ser paleolítico não me impedirá de incluí-lo dentre os alimentos que considero adequados em uma dieta low carb de viés páleo. Ok? Estamos de acordo?
Então, vamos lá, por que os laticínios fermentados, embora não sejam estritamente páleo, são adequados para quem os tolera?
- Leite sempre foi consumido pelos humanos durante a lactação. Já os grãos não, de modo que o leite é incomparavelmente mais próximo de ser um alimento adequado (tanto que a natureza o oferece a mamíferos). Assim, não existe uma dicotomia (“é páleo versus não é páleo”), e sim um espectro, e nesse espectro o leite e seus derivados parecem ser naturalmente mais aceitáveis para mamíferos do que farinha de trigo ou açúcar refinado;
- O tipo de proteína é de alto valor biológico, e é imunogênico apenas para algumas pessoas;
- O tipo de gordura é muito bom, contendo inclusive ácidos graxos de cadeia média e curta;
- Os estudos, mesmo aqueles promovidos por pesquisadores que, ideologicamente, são contrários aos laticínios full-fat por causa da gordura saturada, CONSISTENTEMENTE mostram benefícios metabólicos. É muito engraçado, pois os autores deixam claro a sua surpresa e até mesmo a sua decepção com os próprios resultados. Afinal, eles conduziram o estudo para provar que fazia mal, mas os efeitos benéficos são tão fortes que mesmo os fortes vieses dos autores não são suficientes para mudar esse fato.
Exemplo:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pm…
Dairy and Cardiovascular Disease: A Review of Recent Observational Research
(…)This was in contrast to the findings reported from a prospective study of Caucasian American adults in which it was observed that women who reported “nearly daily” low-fat cheese and fat-free milk consumption had an increased incidence of CHD compared to those who reported “rarely/never” consuming low-fat cheese and fat-free milk. This was a surprising observation in light of the fact that there was no significant association between total dairy intake and risk of CHD in this population. The results of these studies indicate the complexity of dairy foods and the differences in CVD risk depending upon the type of dairy food consumed. Whereas total dairy and cheese reportedly had inverse relationshipswith CVD risk, butter (as a spread) was associated with disease but total butter consumption was not.
Tenho vontade de gritar. Sacudir os pesquisadores pela lapela. Parece que os dados precisam de uma melancia pendurada no pescoço para serem notados!! Resumindo o texto acima:
1) O consumo diário de laticínios DESNATADOS está associado a doenças cardiovasculares;
2) Laticínios com gordura e queijo são inversamente associados com doença cardiovascular (ou seja, quanto mais se consome, MENOS doença cardiovascular se tem);
3) Manteiga, quando usada para espalhar no pão, está associada com doença cardiovascular;
4) Manteiga, de uma forma geral, não está associada com doença cardiovascular.
Qual é a única variável que salta aos olhos??? O Pão!!! Dã!
E o que é leite desnatado?? Água com açúcar. Eu disse açúcar!!
Mas, enfim, voltando da minha digressão. Os laticínios têm proteínas de alto valor biológico, têm gorduras das mais saudáveis possíveis, são deliciosos, práticos e saciantes. Até o oxigênio que respiramos nos mata, de forma que não me espantaria que os efeitos da elevação de IGF-1 (que pode ser causada por laticínios), no longo prazo, possam contribuir para algo ruim, ou para a redução da longevidade, etc. A questão não é essa. A questão é que, ao focarmo-nos em um alimento, esquecemos o que ele está substituindo.
Meu café da manhã, dia desses, foi pastrami com queijo derretido no microondas. Com certeza é possível isolar coisas malignas nessa combinação: carne processada e defumada, laticínios com caseína A1 (leia aqui sobre o que é isso), hormônio de crescimento bovino recombinante, etc. Mas o fato é que nunca me senti tão bem, meu café da manhã foi uma delícia, estou muitos quilos mais magro (e mantendo o peso há 4 anos!), e meus exames estão perfeitos. Afinal, ANTES, meu café da manhã teria pão com margarina e geleia, e 2 copos de bebida láctea adoçada sabor morango (é SÉRIO, eu comia isso no passado).
Quando um estudo epidemiológico indica que a carne vermelha vai nos matar, nós criticamos por ser epidemiológico, devido ao fato de que, após 4 décadas de demonização, somente pessoas que não se preocupam com a saúde comem carne vermelha, de modo que o seu consumo está associado com tabagismo, sedentarismo, etilismo, e montes de outros “ismos” ruins. Basicamente, os vieses de pesquisadores e de pacientes se alinham para produzir o resultado esperado, de associação entre consumo de carne/gordura/proteína com maus resultados de saúde. Pois bem, mas o que dizer de um alimento rico em proteína e gordura saturada, igualmente demonizado, no qual os resultados de todos os estudos epidemiológicos indicam BENEFÍCIO à saúde, mesmo indo CONTRA os vieses dos pacientes e dos pesquisadores? Minha visão é a de que laticínios full fat, especialmente os fermentados, são tão benéficos, mas TÃO benéficos, que superam até mesmo os vieses de confusão e seleção presentes nos estudos observacionais. Na minha visão, o consumo de carne é benéfico, mas não tão benéfica assim a ponto de suplantar os vieses dos estudos epidemiológicos.
Os Masai consomem litros de leite por dia e nunca desenvolvem câncer, nem nenhuma outra doença ocidental associada ao eixo insulina-IGF-1. O livro de Weston Price tem outros exemplos no mesmo sentido – é a entrada da farinha e do açúcar na vida desses povos que provocou o início das doenças ocidentais, não do leite.
Então, onde isso nos deixa?
1) laticínios fermentados são low carb;
2) laticínios full fat têm gorduras saudáveis;
3) laticínios têm proteínas de alto valor biológico;
4) são gostosos e tornam a migração para uma dieta low carb muito mais amena.
Mas…:
1) Têm lactose -> solução, fermentação
2) Aumentam IGF-1 -> carne também, e CARBOIDRATOS também, e a insulina de quem faz low carb comendo laticínios fica mais BAIXA a despeito dos laticínios;
3) Têm uma caseína problemática -> tenho minhas dúvidas;
4) Há pessoas com intolerância genuína -> isso é verdade para outros alimentos também, e justifica apenas sua eliminação seletiva de tais alimentos em tais pessoas;
5) Pode ter reação cruzada com glúten -> importante apenas para quem sofre de auto-imunidade.
Conclusão (bottomline):
É tudo uma questão de prioridades. Talvez se a prioridade for viver mais, seja mesmo uma boa ideia restringir proteínas a 0,8g/Kg, manter o IGF-1 baixo e restringir calorias em cerca de 30%, indefinidamente. Se a prioridade for evitar a síndrome metabólica, algo que afeta negativamente a longevidade MUITO MAIS, será preciso restringir os carboidratos e comer proteínas à vontade. É preciso lembrar que há um custo associado com qualquer escolha. Ativar a via IGF-1 emTOR mantém massa muscular, o que está associado com mais QUALIDADE DE VIDA na velhice. Optar por desativar essas vias não é compatível com manter uma massa muscular ótima. Eu, pessoalmente, prefiro chegar aos 85 com boa massa muscular, conseguindo levantar sozinho da cadeira, do que aos 95 porém emaciado e frágil após uma vida evitando a ativação do mTOR (e sem queijo). E, como você sabe, se a pessoa não for DOENTE (diabetes, doença cardiovascular, coisas que os laticínios ajudam a PREVENIR), o que determina, MESMO, a longevidade, é uma combinação aleatória de genética e acaso.
Veja, a gordura do leite e derivados é muito saudável; contém minerais importantes, além de vitaminas lipossolúveis, em especial a vitamina K2, que pode ser difícil de se achar em outras fontes. A proteína do leite é de alto valor biológico (lembra de ondem vem o whey?). Para quem não tem intolerância severa à lactose, nem doenças associadas a IGF-1 (espinhas, ovários policísticos), eu penso que laticínios fermentados são coisas gostosas e práticas – diferentemente de alguns alimentos que são apenas saudáveis, mas que são horríveis.
O leite, seja ele integral, desnatado ou sem lactose, tem açúcar. A lactose é formada por 1 molécula de glicose, e outra de galactose, que são 2 açúcares simples. No leite chamado de “sem lactose”, os fabricantes usam uma enzima (lactase) para transformar a lactose em glicose e galactose. Se você toma um copo com 200ml de leite sem lactose, está consumindo 10 gramas de açúcar, só que 5 gramas serão galactose e 5 gramas serão glicose. Se você tomar um copo de leite integral, estará consumindo as mesmas 10 gramas de açúcar na forma de lactose. Se você tomar um copo de leite desnatado, continuará ingerindo 10 gramas de lactose do mesmo jeito, porque neste leite foi retirada apenas a gordura (que é a parte mais saudável).
Se o leite não está lhe fazendo bem, melhor retirar. E ele pode sim causar má digestão, azia, etc. Já a gordura do leite (nata, manteiga) e os laticínios fermentados (iogurtes, queijos) são recomendados para a maioria das pessoas.
Alergia propriamente dita aos componentes do leite é algo muito raro. O leite é rico em aminoácidos de cadeia ramificada, que pode provocar picos de insulina nas pessoas independentemente dos carboidratos nele contidos. Para a maioria das pessoas, isso não é problema. Algumas pessoas, no entanto, são muito sensíveis às elevações de IGF-1 (Insulin-like gowth factor 1) que os laticínios induzem. O IGF-1 é uma fator de crescimento, útil para mamíferos em crescimento, mas não tão útil assim para adultos. Especialmente em patologias nas quais o IGF-1 está etiologicamente envolvido (ovários policísticos, espinhas, etc), pode haver grande benefício em eliminar os laticínios. Mais uma vez, isso não tem nada a ver com intolerância à lactose, que é uma incapacidade de digerir a lactose em glicose e galactose, levando à fermentação da mesma no intestino com consequentes distúrbios DIGESTIVOS (gases, cólicas, diarreias). A quantidade mínima de lactose que resta em queijos, por exemplo, não costuma ser um problema para pessoas com intolerância à lactose, exceto para aqueles casos mais extremos. Já para as pessoas que têm espinhas, PCOS ou dificuldade de perder peso, a restrição de laticínios (mesmo aqueles fermentados, já que aqui a lactose não é o problema) pode ajudar bastante, juntamente com uma dieta páleo low carb.
xxx***xxx
Bônus
Editorial publicado ano passado no American Journal of Clinical Nutrition, e traduzido pelo Hilton Sousa em seu blog Paleodiário:
Uma visão alternativa das gorduras saturadas e laticínios: de inimigas a amigas
Artigo traduzido por Hilton Sousa. O original está aqui (publicado no Jornal Americano de Nutrição Clínica 🙂
por Arne Astrup
Quase todas as diretrizes dietárias internacionais recomendam uma redução nas gorduras saturadas (SFA) como intervenção-chave para reduzir a incidência e mortalidade por doença cardiovascular (CVD). Isso foi traduzido em aconselhamentos para reduzir a ingestão das maiores fontes de SFA – ou seja, laticínios, carnes e ovos. Entretanto, meta-análises recentes tanto de estudos observacionais quanto de testes randomizados controlados não apenas levantaram dúvidas sobre a substanciação científica para tal aconselhamento, mas na prática minaram tais hipóteses. Tornou-se claro que existe uma necessidade para uma abordagem completamente diferente, com aconselhamento que seja baseado em alimentos ao invés de em nutrientes.
A evidência que suporta a redução da SFA repousa em um argumento de 2 passos:
“Um corpo de evidências sólido indica que ingestão mais alta da maioria das SFAs (A) está associada com níveis mais altos de colesterol total e colesterol LDL (B). Níveis mais altos de colesterol total e de LDL (B) são fatores de risco para CVD (C)” [1]
A maioria interpretaria a afirmação acima como evidência de relação causal entre a ingestão de SFA (A) e a CVD (C), mas isso na prática é uma premissa de que concentrações aumentadas de LDL (B) sempre vão aumentar o risco de CVD (C). A relação entre gorduras dietárias (e outros componentes dietários) e CVD é, entretanto, muito mais complexa, e tal premissa não leva em consideração a importância do tamanho das partículas de LDL, os efeitos do HDL e outros mediatores dos processos ateroscleróticos, trombóticos e trombolíticos. [2].
SFA e CVD
Mais meta-análises recentes que compararam ingestões altas e baixas de SFA falharam em encontrar qualquer aumento de risco para CVD. Siri-Tarino et al. [3] compararam quantis extremos de ingestão de SFA e não encontraram risco relativo diferente de 1.0. Entretanto, tornou-se óbvio que os diferentes ácidos graxos derivados de diferentes alimentos não tem os mesmos efeitos biológicos, e que a matriz alimentar dentro da qual são entregues modifica seu efeito. Então os efeitos de saúde de qualquer matriz alimentar rica em SFA não podem ser previstos somente com base no “conteúdo total de gordura saturada” dado pelo rótulo. Há uma necessidade de se ver o efeito de saúde das “comidas integrais” (N.T.: o sentido de “integral” aqui refere-se a comidas pouco ou nada processadas) e de usar biomarcadores para melhorar a validade da ingestão habitual de alimentos em estudos observacionais e a aderência em estudos randomizados controlados (RCTs).
Chowdhury et al. [4] examinaram o efeito de SFAs baseados em uma meta-análise de 17 estudos observacionais com biomarcadores de ácidos graxos e 27 RCTs de suplementação de ácidos graxos. Nos estudos observacionais, o risco relativo para doença coronariana não foi diferente para SFAs, PUFAs o-6 (gorduras poliinsaturadas ômega-6) e MUFAs (gorduras monoinsaturadas) quando os terços superior e inferior do consumo e do volume em circulação destes ácidos graxos foram comparados. A meta-análise de RCTs dados de CVD chegou à mesma conclusão. Outra meta-análise de RCTs até mesmo sugere que substituir SFAs por PUFAs o-6 pode aumentar o risco e mortalidade por CVD [5].
Laticínios e risco de CVD e diabetes tipo 2
Em anos recentes, um corpo de pesquisa substancial tem investigado os efeitos dos laticínios e suas gorduras sobre o risco de CVD, diabetes tipo 2 e obesidade. Uma meta-análise tipo dose-resposta, de estudos prospectivos, indica que a ingestão de leite não está associada com a mortalidade todal, mas pode estar inversamente associada com o risco geral de CVD [6]. Confiança nos relatórios recordatórios sobre ingestão dietária apresenta problemas substanciais com a validade, e o desenvolvimento de biomarcadores objetivos para distinguir entre os ácidos graxos derivados da alimentação representa uma grande vantagem; ácido pentadecanóico (15:0), ácido heptadecanóico (17:0) e ácido trans palmitoléico (trans 16:1n-7) podem ser usados como biomarcadores para a ingestão de laticínios. A literatura gerou resultados mistos no que diz respeito ao risco de derrame, mas o mais completo estudo de 2 grandes coortes (Estudo Acompanhamento de Profissionais de Saúde: 51.529 homens; Estudo da Saúde das Enfermeiras: 121.700 mulheres) usando biomarcadores para laticínios (ácidos pentadecanóico, heptadecanóico e trans palmitoléico) reportaram resultados sobre derrame nesta edição do Jornal [7].
Após ajustes relevantes, nenhum associação significativa com o número total de derrames foi vista para qualquer dos 3 biomarcadores. Os resultados foram similares para os subtipos isquêmico e hemorrágico, e os mantiveram-se em análises de sensibilidade.
SFAs também já foram associadas com risco aumentado de diabetes tipo 2, que é um grande fator de risco para CVD. Entretanto, meta-análises de estudos observacionais baseados em recordatórios dietários falharam em mostrar que laticínios aumentam o risco para diabetes tipo 2 [8, 9]. Em uma meta-análise de 17 estudos tipo coorte, houve uma relação modesta mas inversa entre a ingestão total de laticínios, laticínios com pouca gordura e queijo, e o risco de diabetes tipo 2 [9].
Biomarcadores para laticínios e risco de diabetes
Uma análise de coorte foi conduzida baseada na Investigação Européia Prospectiva sobre Câncer e Nutrição (InterAct), um estudo com 12.403 indivíduos com diabetes tipo 2, e ácidos graxos foram medidos nos fosfolipídios plasmáticos [10].
Enquanto SFAs de cadeia par estiveram positivamente associados com a incidência de diabetes tipo 2, as SFAs de cadeia ímpar (ácidos pentadecanóico e heptadecanóico) estiveram inversamente associados com diabetes tipo 2 (Taxa de risco: 0.79 e 0.67, respectivamente). Entretanto, enquanto este estudo adiciona mais uma evidência ao efeito protetor dos laticínios contra a diabetes, ele não apresenta nenhum mecanismo nem provê informação sobre se são as SFAs ou outros componentes da matriz alimentar dos laticínios que media os efeitos. Em contraste, também nesta edição do jornal, Santaren et al. [11] confirmam que as concentrações séricas de ácido pentadecanóico estiveram associadas com um risco de 27% de diabetes (Razão de possibilidades: 0.73; P ¼ 0.02), e a associação manteve-se após ajuste por IMC e circunferência da cintura. Isso sugere que o efeito é independente da gordura corporal, uma causa importante da diabetes tipo 2. Santaren et al. também usaram amostras frequentes de testes de tolerância à glicose intravenosos para medir sensibilidade à insulina (SI) e funcionamento de células-beta (Índice de Disposição), e descobriram que concentrações de ácido pentadecanóico estavam positivamente associadas tanto com ambas as medidas em modelos inteiramente ajustados. Estas associações foram substancialmente enfrequecidas pelo ajuste por taxas de obesidade. Os autores corretamente afirma quem o mecanismo subjacente à relação inversa de ácido pentadecanóico e risco de diabetes não é conhecido, e que poderia ser tanto um efeito do ácido graxo ou atribuível a outro componente benéfico dentro da matriz do laticínio.
Conclusões
A totalidade da evidência não suporta que o aumento da gordura saturada de laticínios aumente o risco de doença arterial coronariana ou derrame ou mortalidade por doença cardiovascular. Em constraste, laticínios magros estão claramente associados com risco de diabetes tipo 2 diminuído, e este efeito é parcialmente independente de quaisquer efeitos na perda de gordura corporal. Além disso, laticínios magros não aumentam a gordura corporal, mas tendem a preservar a massa magra corporal. Não há evidência restante que suporte o aconselhamento de saúde pública sobre limitar o consumo de laticínios para evitar CVD e diabetes tipo 2. Queijo e outros laticínio são, na prática, comidas densas em nutrientes que dão a muitas pessoas prazer em suas refeições diárias.
O Departamento de Nutrição, Exercício e Esporte da Universidade de Copenhagem recebe fundos de pesquisa de numerosas companhias alimentícias dinamarquesas e internacionais, incluindo o Conselho Dinamarquês de Pesquisa de Laticínios, Arla Foods SA e a Plataforma Global de Laticínios (GDA). Arne Astrup atua como consultor/membro de comitês de aconselhamento para a GDA, EUA; McCain Foods Ltd., EUA; e McDonald’s, EUA. Ele recebe honorários e patrocínios para participações em congressos, como palestrante, para uma ampla série de assuntos dinamarqueses e internacionais.
Referências
- USDA; U.S. Department of Health and Human Services. Dietary guidelines for Americans, 2010. 7th ed. Washington: U.S. Government Printing Office; 2010.
- Astrup A, Dyerberg J, Elwood P, Hermansen K, Hu FB, Jakobsen MU, Kok FJ, Krauss RM, Lecerf JM, LeGrand P, et al. The role of reducing intake of SFA in the prevention of cardiovascular disease: where does the evidence stand in 2010? Am J Clin Nutr 2011;93:684–8.
- Siri-Tarino PW, Sun Q, Hu FB, Krauss RM. Meta-analysis of prospective cohort studies evaluating the association of saturated fat with cardiovascular disease. Am J Clin Nutr 2010;91:535–46.
- Chowdhury R, Warnakula S, Kunutsor S, Crowe F, Ward HA, Johnson L, Franco OH, Butterworth AS, Forouhi NG, Thompson SG, et al. Association of dietary, circulating, and supplement fatty acids with coronary risk: a systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med 2014;160:398–406.
- Ramsden CE, Zamora D, Leelarthaepin B, Majchrzak-Hong SF, Faurot KR, Suchindran CM, Ringel A, Davis JM, Hibbeln JR. Use of dietary linoleic acid for secondary prevention of coronary heart disease and death: evaluation of recovered data from the Sydney Diet Heart Study and updated meta-analysis. BMJ 2013;346:e8707.
- Soedamah-Muthu SS, Ding EL, Al-Delaimy WK, Hu FB, Engberink MF, Willett WC, Geleijnse JM. Milk and dairy consumption and incidence of cardiovascular diseases and all-cause mortality: dose-response meta-analysis of prospective cohort studies. Am J Clin Nutr 2011; 93:158–71.
- Yakoob MY, Shi P, Hu FB, Campos H, Rexrode KM, Orav EJ, Willett WC, Mozaffarian D. Circulating biomarkers of dairy fat and risk of incident stroke among US men and women in 2 large prospective cohorts. Am J Clin Nutr 2014;100:1437–47.
- Gao D, Ning N, Wang C, Li Q, Meng Z, Liu Y, Li Q. Dairy products consumption and risk of type 2 diabetes: systematic review and dose-response meta-analysis. PLoS ONE 2013;8:e73965.
- Aune D, Norat T, Romundstad P, Vatten LJ. Dairy products and the risk of type 2 diabetes: a systematic review and dose-response meta-analysis of cohort studies. Am J Clin Nutr 2013;98:1066–83.
- Forouhi NG, Koulman A, Sharp SJ, Imamura F, Kro¨ger J, Schulze MB, Crowe FL, Huerta JM, Guevara M, Beulens JWJ, et al. Differences in the prospective association between individual plasma phospholipid saturated fatty acids and incident type 2 diabetes: the EPIC-InterAct case-cohort study. Lancet Diabetes Endocrinol 2014 Aug 6 (Epub ahead of print; DOI: 10.1016/S2213-8587(14)70146-9).
- Santaren ID, Watkins SM, Liese AD, Wagenknecht LE, Rewers MJ, Haffner SM, Lorenzo C, Hanley AJ. Serum pentadecanoic acid (15:0), a short-term marker of dairy food intake, is inversely associated with incident type 2 diabetes and its underlying disorders. Am J Clin Nutr 2014;100:1532–40.