Se você ainda não leu o artigo que traduzi em Colesterol V, leia.
Eu vou citar minhas partes favoritas, antes de construir uma argumentação sobre elas.
- Devido ao fato de que os cientistas compreendiam os passos individuais do metabolismo do colesterol com tal nível de precisão, eles presumiram que também compreendiam o todo.
- …”Reducionismo”. Ao desmontar um processo, nós podemos ver como tudo se encaixa; o mistério complexo é destilado em uma lista de ingredientes.
- explicações causais são uma super-simplificação.
- Há um descompasso fundamental entre a forma com que o mundo funciona e a forma que pensamos que ele funciona.
- Enquanto as correlações nos ajudam a traçar as relações entre medições independentes, como a ligação entre fumo e câncer, elas são muito menos eficientes em dar sentido à sistemas nos quais as variáveis não podem ser isoladas.
- Embora nós tenhamos mapeado todas as partes conhecidas das rotas bioquímicas, as causas que realmente importam simplesmente permanecem desconhecidas. Se isto é progresso, é um tipo muito peculiar.
- A única solução para esta falha em nosso funcionamento mental é ignorar deliberadamente o excesso de fatos, mesmo que os fatos pareçam relevantes.
- Os detalhes sempre mudam, mas a história permanece a mesma: nós achamos que entendemos como algo funciona, como todos aqueles fragmentos de fatos se encaixam. Mas não entendemos.
- Não importa com quanta precisão conhecêssemos um dado sistema, Hume deu-se conta, suas causas subjacentes permaneceriam sempre misteriosas, obscurecidas por margens de erro e incerteza.
- Ao contrário, vivemos em um mundo no qual tudo está amarrado, um emaranhado impenetrável de causas e efeitos. Mesmo que um sistema seja finalmente dissecado em seus componentes mais básicos, estas partes sofrem ainda a influência de um turbilhão de forças que, ou não conseguimos entender, ou esquecemos de considerar, ou achamos que não tinham importância.
- Por muito tempo, fingimos que o velho problema da causa e efeito pudesse ser curado por nosso mais novo pedaço de conhecimento. Se apenas devotássemos mais recursos para pesquisas, ou dissecássemos o sistema em um nível ainda mais fundamental, ou procurássemos por correlações cada vez mais sutis, poderíamos descobrir como tudo funciona. Mas uma causa não é um fato, e nunca será; as coisas que nós vemos serão sempre limitadas pelas que não podemos ver.
A pergunta é: se não podemos nunca estabelecer com certeza as relações de causa e efeito, como podemos lidar com a complexidade? Como vamos navegar por situações TÃO complexas como, por exemplo, dieta e estilo de vida?
Neste blog, eu cito inúmeros estudos que sugerem que uma dieta com menos carboidratos refinados seja mais saudável, mas tratam-se de associações estatísticas, todas sujeitas a erro. Afinal, qual o caminho a seguir? Temos como saber?
Sim.
Vou usar algumas metáforas que, espero, esclareçam que, ao menos em biologia, há uma forma segura de navegar pela incerteza de tais sistemas complexos.
1) A água do mar.
Responda rápido: se você fosse um peixe marinho e tivesse de ser colocado em um aquário gigante, destes com milhares de litros de água, qual das opções abaixo seria a melhor para garantir sua sobrevivência:
a) pegar água doce e acrescentar sal;
b) pedir a um químico para que prepare uma solução de água e sais minerais com a mesma composição da água do mar;
c) Usar a água do próprio mar
Se VOCÊ fosse o peixe, e sua vida dependesse disso, em que água você se jogaria? Na água doce com sal? Na preparada pelo químico? Ou no oceano?? Por mais que os cientistas estudem a água do mar, o número de variáveis é por demais grande para que possam ser todas conhecidas manipuladas. E isto é DESNECESSÁRIO, pois já sabemos, por definição, que a melhor água para a saúde de um peixe é aquela na qual a sua espécie evoluiu. É importante para a ciência conhecer a composição química da água do mar. É importante para a ciência conhecer detalhadamente a flora e fauna que habitam a água do mar. Mas é desnecessário dominar estes conhecimentos a fim de saber qual a água mais saudável para um peixe marinho. Pior ainda: o conhecimento parcial (e TODO o conhecimento é parcial) destes assuntos pode fazer com que tentemos “melhorar” a saúde do peixe “melhorando” a água do mar. Por exemplo: cientistas podem concluir que o peixe precisa de menos sal, mais iodo, etc… Na pior das hipóteses, podem fazer uma pirâmide para descrever como deveria ser a água ideal.
2) A atmosfera.
Responda rápido, se você fosse colocado em uma nave espacial e levado para uma base lunar, que atmosfera você gostaria de levar junto? Vou lhe dar 3 alternativas:
a) Levar apenas oxigênio puro, afinal você aprendeu no colégio que este é o gás mais importante que respiramos – e ele é puro!
b) Levar ar comprimido da cidade de São Paulo (com todos os gases, inclusive a poluição), pois, afinal, você não faz ideia de quais gases existem na atmosfera, então é melhor levar todos.
c) Levar a atmosfera de algum outro planeta do sistema solar.
E aí, qual opção é melhor para sua saúde? Oxigênio puro, o ar da Avenida Paulista ou a atmosfera de Júpiter?
Obviamente você não vai escolher a atmosfera de outro planeta, pois ela só faria bem para seres que evoluíram lá.
E entre oxigênio puro e ar poluído? Ambos tem seus problemas, mas o oxigênio puro vai lhe matar MUITO antes. Dependendo da pressão atmosférica presente na base lunar, o oxigênio puro pode lhe dar convulsões em questão de minutos (pressões maiores, como as usadas por mergulhadores) ou problemas neurológicos, pulmonares e outros em cerca de 24 horas (pressões de 1 ATM).
Então, você preferiria que a composição de sua atmosfera artificial fosse definida por um químico, um médico, ou…? Pela natureza?
Pela natureza, é claro!! Você deveria levar o ar da terra consigo!
Qual é a melhor atmosfera para humanos respirarem? Aquela com a qual nós evoluímos. 78% é nitrogênio, que é um gás inerte? Azar, quero meus 78%. 20,9% são oxigênio; não quer mais um pouquinho? Quem sabe 30%? E se os cientistas disserem que 30% vai melhorar seu desempenho, fará bem para o cérebro… Não, obrigado! Quero 20,9%. Por quê? Porque nossos corpos evoluíram com 20,9%, e estão equipados para isso.
3) A dieta
Responda rápido, se você fosse colocado em uma nave espacial e levado para passar os próximos 2 anos em marte, quem você gostaria que desenhasse a sua dieta ideal:
a) um químico?
b) um biólogo?
c) um médico?
d) um nutricionista?
e) o governo dos Estados Unidos?
e) a natureza?
Quando você estiver tentado a acreditar numa alegação sobre dieta contida em alguma diretriz, SEMPRE pense que estão falando sobre a composição do ar que você respira.
Um exemplo: o governo diz que você não deve consumir gordura saturada. A espécie sempre consumiu, durante toda a evolução. Então, imagine que estão falando sobre ar, e não comida:
“O governo diz que devemos respirar 10% de oxigênio. Mas durante toda a evolução respiramos 20%. Mas o governo tem cientistas que estudaram isso a fundo, e você não é cientista. O que você deve fazer?” OBVIAMENTE a resposta é mandar que eles respirem os 10%, pois você não precisa ter estudado o assunto, basta você respirar o ar com o qual a espécie evoluiu. SIMPLES assim.