Estudos irrelevantes da semana

Todas as semanas, vários estudos irrelevantes produzem manchetes. Em algumas semanas especialmente abençoadas, são vários.

Quando as pessoas perguntam, eu costumo simplesmente indicar a postagem do blog na qual aquele assunto já foi discutido no passado. E tem ainda os podcasts. Todas as semanas eu discuto os assuntos da semana anterior. Você ainda não escuta? Se usa iPhone, basta procurar o podcast Tribo Forte no iTunes. Se usa android, basta usar qualquer aplicativo de podcasts e procurar por Tribo Forte. Pode ainda escutar no computador, ou até mesmo ler a transcrição de cada episódio clicando aqui.

Mas, como nem todo mundo leu o blog inteiro, e nem todo mundo escuta os podcasts, lá vai:

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Primeira manchete bizarra da semana:

Fonte: clique aqui

1) Leia as 5 postagens abaixo e responda você mesmo porque a manchete acima está errada (assim, você poderá fazer o mesmo semana que vem, quando outras semelhantes surgirem):

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_8.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_12.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_26.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2016/01/a-falacia-da-autoridade.html

2) Passo a passo (caso você não tenha paciência de fazer o exercício acima sozinho):

a) Que tipo de estudo é esse?

  • Estudo em animais

b) Existem estudos em seres humanos sobre o mesmo assunto?

  • Sim. Existem. Destes, 58 são ensaios clínicos randomizados – o mais alto nível de evidência:
Fonte: https://phcuk.org/rcts/

c) Os ensaios clínicos randomizados, em humanos, mostram o quê?

  • Como visto acima, nunca nenhum ensaio clínico randomizado (ECR) jamais mostrou que uma dieta rica em gordura (desde que pobre em carboidratos) produza ganho de peso em humanos. Há 29 ECR’s comparando dietas de baixo carboidratos e dietas de baixa gordura em humanos nos quais houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. A totalidade desses estudos mostrou resultados superiores do grupo low carb em relação ao grupo de baixa gordura no que diz respeito a perda de peso. Repetindo: dietas com baixo carboidrato produzem maior perda de peso do que dietas de baixa gordura.

d) Veredito sobre a manchete:

  • A manchete é factualmente errônea, e a realidade é diametralmente oposta.

e) Trechos das postagens prévias do blog que se aplicam a essa situação:

Digamos que eu faça a seguinte afirmação:

“É sabido que uma dieta rica em alface, espinafre, couve e outros hortaliças folhosas promove o ganho de peso. Um novo estudo em bodes indica que o consumo excessivo deste alimentos provoca ganho acelerado de peso nestes animais. O controle do consumo de folhosas ajudou a manter os bodes mais magros”.

Qual o problema com essa afirmação? O problema não é a parte dos bodes – essa é verdadeira! O problema é a primeira frase. Afinal, existe alguma evidência de que “uma dieta rica em alface, espinafre, couve e outros hortaliças folhosas promova o ganho de peso” em humanos? Com certeza não! Muito pelo contrário. Assim, repito, não importa quantos estudos mostrem que o excesso de alface provoque ganho de peso em bodes, isso continua sendo pouco relevante para humanos. Pois, como eu disse no início dessa postagem, Estudos em animais são pouco relevantes quando estudos em humanos  já demonstraram que o fenômeno em questão ocorre de forma diversa.. Então, se houvesse estudos em humanos demonstrando que hortaliças provocam ganho de peso, então, e somente então, bodes passariam a ser um bom modelo experimental para a dieta humana.

Dito de outra forma: quando se estabelece que um fenômeno observado em animais é inexistente em humanos, os detalhes de como e porque a coisa ocorre em animais (como eucalipto é saudável para coalas, como roedores engordam comendo gordura animal) nada mais é do que fornecer explicações complexas para um fenômeno fictício.

Fonte.

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Segunda manchete bizarra da semana

Fonte

1) Leia as 5 postagens abaixo e responda você mesmo porque a manchete acima está errada (assim, você poderá fazer o mesmo semana que vem, quando outras semelhantes surgirem):

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_8.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_12.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2015/04/o-que-e-uma-referencia-bibliografica_26.html
https://www.lowcarb-paleo.com.br/2016/01/a-falacia-da-autoridade.html

https://www.lowcarb-paleo.com.br/2017/04/o-vies-do-paciente-bem-comportado.html

2) Passo a passo (caso você não tenha paciência de fazer o exercício acima sozinho):

a) Que tipo de estudo é esse?

  • Estudo OBSERVACIONAL

b) Estudos observacionais podem estabelecer causa e efeito?

  • Não. A linguagem da manchete está, portanto, errada. Se eu digo que X dobra a chance de Y, eu estou afirmando que X CAUSA a duplicação da chance de Y. Somente um ensaio clínico randomizado poderia estabelecer causa e efeito. 

c) Existem explicações alternativas para tal associação?

  • Sim. Na medida que a orientação de não pular o café da manhã já foi incorporada ao senso comum, pessoas que pulam o café da manhã são pessoas que não seguem o que normalmente se considera como saudável. Por isso, têm uma chance maior de ter OUTROS comportamentos que, esses sim, sejam associados a desfechos de saúde adversos. Exemplo: neste estudo, adolescentes que passavam mais tempo usando redes sociais tinham uma chance maior de beber refrigerantes e energéticos adoçados com açúcar e de pular o café da manhã. Se, no futuro, tiverem mais doença cardíaca e diabetes, a CAUSA foi o açúcar, ou o café da manhã? Neste estudo, mulheres que bebiam demais (“binge drinking”) também tendiam a pular o café da manhã. Se elas tiverem efeitos adversos em sua saúde no futuro, a CAUSA foi o alcoolismo, ou o café da manhã?

c) Veredito sobre a manchete:

  • Induz o leitor ao erro, por empregar linguagem causal ao falar de estudo observacional. Pode até haver motivos legítimos para tomar café da manhã, mas este não é um deles.

d) Trechos das postagens prévias do blog que se aplicam a essa situação:


–> A importância de saber diferenciar estes dois tipos de estudo é gigantesca. Afinal, os estudos epidemiológicos (observacionais) apenas podem levantar hipóteses. Eles não podem estabelecer causa e efeito. Repita comigo, em voz alta: “ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS NÃO PODEM ESTABELECER CAUSA E EFEITO”. Eu não posso dizer que comer carnes processadas CAUSA câncer. Portanto eu também não posso dizer de reduzir o consumo de carne processada irá reduzir câncer. Por quê? Porque isso é oriundo de estudos observacionais/ epidemiológicos. Eu só posso dizer que há uma ASSOCIAÇÃO entre o consumo de carnes processadas e câncer.

Ok, mas no fundo, no fundo, não é a mesma coisa? Não é apenas uma questão de semântica (jogo de palavras)? Dizer que está associado ou que causa – tanto faz, significa que é ruim pra você, não é mesmo?? Não. NÃO. NÃO, NÃO É A MESMA COISA!!.

Vamos a um exemplo fora do mundo da saúde, que espero que deixe esse assunto BEM claro de uma vez por todas.

Em 2012, o portal IG publicou uma notícia referente às notas do ENEM. Um estudo que comparou os desempenhos dos estudantes de diferentes raças na prova. Trata-se de um estudo observacional, epidemiológico. Não era um experimento. Apenas estava-se OBSERVANDO quem tirou qual nota, e quem tinha qual cor de pele. Vamos à manchete:

Notas de alunos brancos no Enem são mais altas que dos negros

Dados do exame de 2010 nas capitais do País também confirmam distância entre as médias de estudantes de colégios particulares e de escolas públicas

Agência Estado 

Recorte inédito de dados de desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 nas capitais do País, além de confirmar a distância entre as notas médias dos estudantes de colégios particulares e os de escolas públicas, revela o abismo que separa estudantes brancos e negros das duas redes. 

Os números mostram que as notas tiradas pelos alunos brancos de escolas particulares no exame são, em média, 21% superiores às dos negros da rede pública – acima da diferença de 17% entre as notas gerais, independentemente da cor da pele, dos estudantes da rede privada e os da rede pública.

Então, está bem claro que há uma ASSOCIAÇÃO entre raça negra e mau desempenho do ENEM. E aí,você ainda acha que associação é o mesmo que causa e efeito??? Porque, se você acha que é a mesma coisa, você teria que acreditar que ser negro é a CAUSA do mau desempenho, não é mesmo? Que o problema original, essencial, único, etiológico é a raça. Bom, no século 21, suponho e espero que ninguém pense isso. A própria matéria jornalística  deixa claro que a associação ocorre devido a outras variáveis ocultas:

Na questão econômica, segundo ela, a explicação é que “entre os pobres, os negros são os mais pobres”. O lado pedagógico refletiria a baixa expectativa. “Em uma sala de aula, se uma criança negra começa a apresentar dificuldade, a professora desiste de ensiná-la muito mais rapidamente do que desistiria de um estudante branco.”

Então, como podemos ver, associação é apenas isso – associação. Associação não implica necessariamente causa e efeito – erros gigantescos podem advir dessa confusão. As reais causas, no caso da discrepância racial, podem ser especuladas a partir de outros raciocínios interpretativos da realidade. Mas, volto a dizer, as CAUSAS não estão demonstradas no estudo, e por que não? Porque ele é um estudo observacional – ele apenas identifica que duas coisas acontecem ao mesmo tempo ou se agrupam com mais frequência – não há como dizer que uma CAUSA a outra. FONTE

–> Mais uma postagem (apenas substitua, no trecho abaixo, “tomar corretamente seu placebo” por “tomar café da manhã todos os dias”):


 Tomar corretamente seu placebo, uma pílula inerte que não contém nada, produziu uma redução ABSOLUTA de TREZE por cento em mortalidade em um ensaio clínico randomizado com mais de 8 mil participantes e duração de 8 anos. Como é possível?
Ok, eu confesso que usei impropriamente uma linguagem causal de propósito (como fazem alguns jornalistas de saúde). Porque é evidente que tomar o placebo corretamente não foi a CAUSA da redução gigantesca de mortalidade. Mas a pergunta persiste – então, que foi?
A resposta, por incrível que pareça, é simplesmente que as pessoas que tomam seus remédios religiosamente como prescrito são diferentes daquelas que os tomam de forma errática. São mais “certinhas“, mais bem comportadas. Por isso, têm menor chance de fumar ou beber em demasia, cuidam-se melhor no que diz respeito a peso, atividade física e alimentação, usam cinto de segurança, capacete, etc.
A magnitude deste efeito impressiona. Treze por cento de redução ABSOLUTA (não relativa!) na mortalidade é algo quase sem precedentes. E é tudo produto de variáveis de confusão – não é real, o placebo não reduz a mortalidade, obviamente.

–>Por fim:

Estudos observacionais e epidemiológicos capturam os vieses, o zeitgeist, os preconceitos de uma época, e o reproduzem. Mais do que isso, embora não possam estabelecer causa e efeito, acabam sendo interpretados de forma a reforçar a causa presumida daquilo que estudam, sob a ótica dos preconceitos e diretrizes vigentes. (FONTE)

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