Quando “tudo isso aqui era mato” e quase ninguém falava em low-carb no Brasil, eu já estava divulgando essa abordagem aos quatro ventos. Da mesma forma, poucas pessoas foram tão vocais como eu na desconstrução da ideia de que carne vermelha seja prejudicial à saúde: são muitas postagens e muitos podcasts. Ou seja, como se diz por aí, eu tenho “lugar de fala” para tratar do assunto “dieta carnívora”. Assim, com a autoridade autoconcedida de quem nunca poderá ser visto como um vegetariano enrustido e de quem foi o primeiro a convencer muitos dos carnívoros de hoje de que carne vermelha é um alimento saudável, quero deixar claro o meu posicionamento sobre a chamada “dieta carnívora”.
Na Área de Membros do Blog, há uma postagem completa sobre esse assunto e é possível tirar dúvidas e fazer comentários. Abaixo, um resumo da postagem:
Dieta Carnívora: Definição e Contexto
- Origem: Criada nas redes sociais, sem base em estudos científicos sólidos.
- Composição: Baseada exclusivamente em carnes (bovina, suína, frango, peixe) e ovos. Versões mais estritas excluem laticínios.
- Diferenciação: Não é uma dieta low-carb convencional com vegetais, mesmo que em pequenas quantidades; é baseada apenas em produtos de origem animal.
Benefícios Relatados
- Perda de Peso:
- Redução de carboidratos e alta ingestão de proteínas promovem saciedade e emagrecimento.
- Estudos randomizados com dietas low-carb já evidenciam esses mecanismos, mas a ausência de vegetais não é o fator-chave.
- Melhora em Condições Metabólicas:
- Pode auxiliar no controle do diabetes tipo 2, pré-diabetes e resistência à insulina devido à baixa ingestão de carboidratos e ao emagrecimento.
- Os benefícios vêm da redução de açúcares e amidos e da alta saciedade da proteína, e são independentes da presença ou não de vegetais.
- Impacto Neuropsiquiátrico:
- Relatos de melhora no humor, depressão e clareza mental.
- Esses efeitos estão ligados ao estado cetogênico, que pode ser alcançado também com vegetais.
- Controle de Doenças Autoimunes, Inflamatórias e intestinais:
- A dieta funciona como uma “dieta de eliminação”, reduzindo alimentos potencialmente irritantes.
- Intolerâncias específicas podem ser identificadas ao reintroduzir vegetais gradualmente, visto que ninguém é intolerante à totalidade dos vegetais
Limitações e Riscos
- Falta de Evidências Científicas:
- Baseada principalmente em relatos pessoais e uma única enquete online.
- Não existem ensaios clínicos randomizados para avaliar a segurança e eficácia no longo prazo.
- Deficiências Nutricionais:
- Potencial para desenvolvimento de carências em micronutrientes que seriam supridos por vegetais.
- Restrição Excessiva:
- Dificuldade de adesão devido à monotonia alimentar.
- Comparável ao uso temporário de shakes em dietas para controle de peso.
- Não faz sentido restringir a alimentação mais do que o necessário para obter um mesmo resultado.
Comparações com Outras Dietas
- Dietas low-carb mistas (com vegetais) fornecem os mesmos benefícios, mas de forma mais sustentável e completa nutricionalmente – e são muito mais agradáveis.
- O risco de deficiências em uma dieta carnívora é menor que em uma dieta vegana, mas ambas são nutricionalmente inadequadas.
Take Home Message
- Utilização Temporária: Pode ser usada provisoriamente para perda de peso ou como dieta de eliminação.
- Princípio da Precaução: Sem estudos de longo prazo, é desnecessariamente arriscado adotar a dieta como padrão.
- Fringe: Dietas carnívoras e abordagens extremas prejudicam a aceitação de estratégias como low-carb no meio acadêmico e profissional.
Sobre este último tópico, reproduzo o trecho da postagem que se encontra na Área de Membros:
Quando eu escrevi o meu livro, Uma Dieta Além da Moda, o título tinha como objetivo justamente chamar a atenção das pessoas e dos profissionais de saúde sobre o fato de que dietas de baixo carboidrato têm um grande potencial terapêutico para emagrecimento e para a melhora de condições metabólicas e do diabetes tipo 2 e que está sendo sub-aproveitado porque muitos têm preconceito contra low-carb, alegando que não passa de uma modinha passageira, quando na verdade trata-se de uma alimentação baseada fundamentalmente em alimentos não processados e minimamente processados, como saladas, legumes, frutas de baixo açúcar, carne, peixe, frango, ovos, laticínios, enfim, uma dieta altamente segura, variada, nutricionalmente completa e que se ampara hoje em dia em cima de mais de sete dezenas de ensaios clínicos randomizados e várias metanálises. Não é a solução para todos os problemas do mundo, não é todo mundo que consegue aderir a esse tipo de dieta, mas é uma alternativa totalmente válida e altamente eficaz em um mundo no qual a gente precisa de mais alternativas e não de menos.
Infelizmente o que eu tenho visto é que os defensores de dieta de baixo carboidrato nas redes sociais, talvez por conta da forma como os algoritmos funcionam, têm ido cada vez mais para as franjas, para o fringe como a gente diz em inglês, para coisas mais estranhas, mais esquisitas, por vezes francamente bizarras, que desafiam o bom senso, que ignoram completamente o princípio da precaução e que vão acabar por desconstruir completamente esse grande esforço de trazer a abordagem low carb cada vez mais para as diretrizes, para o mundo acadêmico. E eu fico bastante angustiado, bastante decepcionado, quando eu vejo que coisas como a dieta carnívora fornecem munição para os detratores de dieta de baixo carboidrato, e cada vez mais a gente vê reportagens falando “essas dietas da moda, como low-carb, cetogênica e carnívora”, o que é tão absurdo quanto alguém falar e essas pseudociências como física e astronomia e astrologia. Não, astrologia não pertence à mesma frase que fala em astronomia e física. Astrologia é uma pseudociência sem comprovação, as outras duas são ciências sérias.
E é por isso que eu tenho dito que a low-carb nas redes sociais e na boca de muitos influenciadores tem se tornado uma paródia de si mesma. Isso só prejudica milhões de pessoas que poderiam se beneficiar dessa estratégia, mas que jamais serão apresentadas a ela, porque os profissionais de saúde sérios não querem ter nada a ver com “essa tal de low-carb, carnívora, etc”. Então, seria importante que quem abraça o movimento das dietas de baixo carboidrato, como uma das formas de melhorar a saúde de tanta gente, entendesse que os benefícios alegados da dieta carnívora são benefícios que nada tem a ver com a ausência total de vegetais, embora sejam benefícios reais por conta dos mecanismos que discutimos aqui, e que a gente trate a dieta carnívora pelo que ela é, um grande experimento gestado nas redes sociais e que tem um longo caminho pela frente antes de poder ser recomendado de forma ampla.